Este sábio pensamento ficou eternizado pelo Raul Seixas. Há muita sabedoria contida nisto, visto que nossa percepção do mundo é significativamente alterada à medida em que crescemos. Incontáveis pensamentos, afirmações e comportamentos sofrem radical transformação do que foi para o que é. Nos vemos e ainda nos veremos "mordendo a língua".
Eu fui um garoto urbano, mas nos finais de semana e férias, até completar 12 anos, frequentei o sítio que hoje moro em Teresópolis. Nesta época, caçar passarinho, seja para aprisionar ou mesmo matar com atiradeira (e mais tarde com espingarda de chumbinho) era, para mim, o máximo em termos de poder e conquista. Lembro da intensidade do meu desejo até obter estas armas e do orgulho por tê-las. Sentia-me realizado por ser capaz de enganar os pássaros pelas minhas emboscadas e pontaria. Alguns eu comi e outros eu matei pelo simples "prazer" de matar. A minha ótica era óbvia - eu era "o cara" por ser capaz de fazer isso, enquanto outros meninos da cidade não tinham este "privilégio". Sei que provavelmente eu esteja lhe trazendo indignação e por isso peço que me perdoe pelo "prazer" e "privilégio" referidos, mas permito-me transpor ao pensamento da minha infância nesta reflexão conduzindo você comigo nesta viagem no tempo.
Mais tarde, lá pelos meus vinte anos, passei a mergulhar e fazer pesca submarina. Este foi um desdobramento do mesmo comportamento. Eu estava mais maduro, e só matava o que comia ou o que tivesse tamanho comercial. Era um pouco mais consciente e poupava os peixes pequenos, mas o "prazer" da caça era muito equivalente ao da infância. Sem uso de modéstia, eu era muito bom nas emboscadas. Aprendi com a própria natureza e tinha minhas técnicas eficazes de captura. Passei uns 15 anos fazendo pesca submarina e chequei ao ponto de jogar peixe em pedaços dentro de um saco com tramas (deste que vem batata ou laranja) para usar como atrativo para cações corta-garoupa e poder arpoá-los. Em paralelo com a pesca submarina, passei a megulhar com aqualung, mas não caçava quando estava com eles, por considerar anti-esportivo. Junto com o aqualung, veio a fotografia submarina e minha observação aos peixes passou a ser ambigua. Se por um lado eu queria uma boa foto estando com a máquina em punho, por outro eu imaginava-me com um arpão naquela situação. Mas o tempo faz o seu grande milagre. Em determinado dia, arpoei um Mero que é um peixe muito grande e manso. O Mero é como uma garoupa gigante (figura na nota de cem reais) e pode ser encontrado com peso acima de 200 kg. O tiro tem que ser certeiro e fatal, pois do contrário perde-se o peixe e o equipamento pela força de arrasto que ele tem. Este Mero, após mortalmente arpoado, ainda vivo boiava nos meus braços quando fitei-o em seus olhos. De alguma forma, que não sei explicar, ele comunicou-se com minha consciência e senti-me um covarde cruel. Cheguei a fazer carinho nele e desculpar-me pela atrocidade, adotando deste dia em diante a máquina fotográfica como única arma contra um ego imbecilizado e arrependido.
Mas como dito, o tempo passa e as coisas mudam. Quarenta anos depois, vejo-me no mesmo cenário com pensamento, discurso e atitudes diferentes. Não tenho mais atiradeira e espingarda de chumbinho, ainda que eu possa tê-las. Continuo com a mesma atração por observar os pássaros como alvo, mas não mais pelo desejo de capturá-los como antes, mas capturá-los pelos olhos e ouvidos pela observação de toda sua essência - seja pela beleza da plumagem, canto, comportamento ou mesmo seu porte, como o Jacú a quem me referi há algumas semanas. O menino crescido ainda para diante deles, talvez até mais emboscador do que no passado pela experiência, mas pelo privilégio de poder admirar o que antes era imperceptível aos sentidos.
Percebemos que as coisas mudam, nós mudamos e o que hoje afirmo é baseado apenas nas minhas experiências e informações que disponho até hoje, mas que não há garantias de que será necessariamente uma verdade amanhã, pois somos mutantes. Ainda bem!
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
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